Não é comum, que um pintor, desde sempre apaixonado pela gravura, mantenha, nestes tempos virados, uma fidelidade exemplar e uma consciência ética e moral a este tão maltratado “tronco” das artes-plásticas.

David d’Almeida reivindica-se e fá-lo com uma memória iniciática, dos bons anos que trabalhou na “gravura”, cooperativa de artistas, que foi um exemplo raro de cooperação e entendimento pela aprendizagem, a fazer-se e a descobrir-se, que dia a dia ali se fazia nascer. Recordo e naturalmente isso acontece pelo apelo, que toda a sua obra de gravador manifesta, recordo dizia, a beleza subtil e delicada como uma ideia que o papel ajudava ganhando pela luz a sua verdadeira dimensão. O apelo à luz, ao silêncio também, à meditação que diria cósmica, inundam de forma táctil e representada, faces ocultas do seu mundo e do seu pensamento sensível.

Creio que o conjunto de peças apresentadas nesta exposição, são continuidade e resposta madura a uma mesma ideia. Diria que a luz não nos encanta pela brancura continuada, mas pelo peso e densidade, matéria e gradação cromática.

Os grandes espaços, o mar ou o deserto, intuídos como mergulho profundo numa solidão desejada, num silêncio habitado necessáriamente de muitas memórias.

A face que nos é oferecida, tal como, por exemplo, nas águas tintas de Goya, onde o fazer-se se vê, em David d’Almeida há uma elaboração consciente e cuidada usando o amplo leque da sua experiência como gravador retirando das impressões o rendimento sempre aparente na imagem final. Esta claridade processual alia-se às sua áreas temáticas, resultando numa unidade de invulgar qualidade como “gravura” e como obra. A aparente simplicidade, fruto de muitos “castigos” evidencia este trabalho numa busca dum grande depuramento formal, tocado como na música, por uma surdina muito activa, rente ao silêncio.

Rogério Ribeiro
Outubro 2003


In Catálogo David de Almeida – Gravuras, Enes – Arte Contemporânea - Dez. 2003-Jan. 2004

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