A la pêche à la baleine...

Anita Nardon


A la pêche à la baleine... A la pêche à la baleine... Nunca esqueci o texto surrealista de Prévert, não mais que a impressão com que fiquei da leitura de Moby Dick ou a Baleia Branca de Herman Melville. Sobre a baleia: mamífero marinho, o maior animal que jamais existiu e cujo peso pode atingir 150 tone­ladas, só sei as noções aprendidas nas aulas de ciências.

Uma baleia a encalhar na costa belga, foi o que aconteceu no princípio do século, toda a gente acorreu para ver de perto o monstro que serviu de submarino a Jonas. Mas para além desta visita inusitada, a baleia não tem uma importância particular na paisagem flamenga. O que não é o caso dos Açores, onde existe um museu dedicado à representação gráfica, à história e à literatura respeitante a este enorme cetáceo.

Esta enorme massa inspirou poetas e contadores, nada de mais natural. No tempo em que ainda não existia fotografia, inúmeros desenhadores repre­sentaram cenas de pesca (ou deve dizer-se de caça?) à baleia. Mas eis que um artista contemporâneo aborda o assunto com o espírito de velocidade próprio do nosso tempo; o movimento domina largamente a sua obra.

As gravuras em cobre de David de Almeida, combinando técnicas de que ressalta a sumptuosa aguatinta, evocam um mundo marinho em perpétuo movimento. A força da baleia nadando ao largo de uma ilha, o mundo marinho tal como o cetáceo o vê quando mergulha, até mesmo páginas de um diário de bordo, constituem os principais elementos de uma saga de coragem e de sangue.

Mas o artista não pode renegar o seu temperamento propenso à ternura, e vira-se então para histórias inspiradas pelo “monstro”. Faz reviver o conto da baleia e da tangerina que lhe falou do sol do seu país do Oriente. Recolhe os poemas escritos a propósito da baleia, e dá-lhes vida sob a forma de imagens maravilhosas que farão sonhar os visitantes da sua exposição.

Através dos seus cobres gravados, graças a tintagens subtis, David de Almeida dá, uma vez mais, uma brilhante demonstração do seu talento ao penetrar na significação simbólica e poética de um animal cujas linhas harmoniosas podem servir de arquétipo às mais modernas criações submarinas. Os tons escolhidos são o oposto de qualquer pitoresco oceânico, eles são cinzentos de noite, azuis profundos como o céu do Sahara, e toda uma gama de castanhos­-bordeaux e bistres delicadamente avivados de cor-de-laranja vivo que subita­mente brilha como um sol.

A pesca à baleia de David de Almeida, praticada sem arpão, recupera emo­ções pessoais, que são as de um gravador extremamente sensível às vibra­ções cósmicas, àqueles movimentos vindos do fundo do tempo e que deixaram no mar os sulcos profundos traçados pelas baleias... e pelos navios dos homens.

Bruxelas, Maio de 1987
in Catálogo David de Almeida – Baleias 86-87
Galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura – Funchal – Junho 1987
Galeria Marc Chagall – Leiria – Setembro 1987


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